O beijo da morte.

Pastor, em minha juventude, por certo tempo, andava-me perdido nos males da cachaça, dos vícios e da malandragem. Tudo começou devido a meu apreço por maquinas de Caraoquê. 

Toda sexta-feira, arrumava-me com minhas melhores vestimentas e ia para o bar da Jandira, comer uns petiscos, tomar uns aperitivos, trocar meia dúzia de palavras com os amigos e , claro, apresentar-me na referida maquina. Meu charme era irresistível, de nenhuma rapariga colocar defeito, e apreciava-me os olhares insinuantes que as senhoritas me direcionavam enquanto eu estava no palco improvisado. Os amigos perguntavam: "mas Ademir, como você consegue?", e eu respondia: "É o estilo! Aprendi com o Wando e o Reginaldo". Eu enchia a boca para falar nos meus ídolos, parecia até que eram eles os meus melhores amigos. Gilliard, Falcão, Wando, Sidney Magal,  Odair José , Falcão, Beto Barbosa, Waldick Soriano... Se não eram , de facto , meus amigos, poderiam muito bem ser, afinal meu estilo era tão 'brasa' quanto o deles: vestia-me com meu sapato bicolor, calça branca de cetim , camisa de crochê, pochetes e um chapeu de malandro. Só não me acostumava ao uso de cuecas, pois prendiam minha virilidade e me dava sensação de claustrofobia.


As mulheres do bordel Lua de cristal não perdiam uma só apresentação de minha parte e lotavam o bar, fazendo coro e pedindo bis. Encantavam-se com o 'badalar' dos meus culhões nos movimentos insinuantes que realizava em cada canção do Cauby. Tanto gostavam, que fui convidado por elas a fazer um show no bordel, recebendo como pagamento latas de Kaiser e horas com as raparigas que lá batiam ponto. Neste entremeio, passei a colecionar as roupas de baixo usadas das mulheres com quem relacionava-me , assim como fazia o Wando. Tive até um album , onde separava as peças por cor, material , modelo, tamanho, cheiro e sabor. Era algo doentio.


Certa feita, apresentava em um meretrício chamado Flor de lís, quando chegou até mim um travestido muito conheci por aquelas localidades de Belém, um tal de Telminha Pé-de-Mesa. Ele entregou-me uma calcinha de algodão, azul e branca , modelo fio-dental, que ainda estava molhada de suor. Cheirei-a, como sempre fazia naqueles tempos torpes de minha vida, e afixionei-me por aquele odor intoxicante.


- Diga-me: a quem pertence este cheiro?


- Tudo tem seu preço, bobinho. Só lhe conto se me fizer um favor; quero que me dê um beijão daqueles desentupidor de pia , igual aos galãs de novela da Globo.


- Traste da gota! Venha pegar o que quer!


Como homem ,cabra macho, que sou, não titubeei perante o desafio. O travestido ainda bolinou-me , patolando meu membro que, sem nenhum motivo aparente, mantinha-se rijo.


- Pronto. Agora conte : quem é?


- É da Mel. 


- Quem é esta tal de Mel?


- Não, tolinho. O cheiro que você adorou é do meu c*.


Ora essa! Pensei em dar-lhe uma lição mas apenas revoltei-me internamente, já que não seria boa idéia atracar-me com Telma que é um mulato alto e forte, com gogó volumoso e barba cerrada. 

Dias depois, começava-me a sentir enfraquecido, meu cabelo começou a cair e minhas gengivas ficaram esverdeadas. Estava gravemente doente. Vim a descobrir que o mal que me afligia se chamava Aids.


Esta revelação foi-me concedida em um Forró , onde conheci o Pastor Tiago
Santiago, que passava férias por aqui pela minha região. Ele dançava entertidamente com sua sobrinha (a qual, se eu não soubesse ser mulher direita , juraria que era uma de minhas fãs do bordel) até que fomos apresentados um ao outro.


Aprendi que essa tal Aids, ou Sida, significa Sindrome da Imunodeficiência Anal e se pega com o contacto directo com pessoas contaminadas, mais especificamente com Homensexuais. Beijos, carícias e sexo anal com gais são as formas de se contrair este mal,pois esta doença é punição divina ao pecado cometido. Contaminei-me com o beijo que foi-me dado pelo travestido Telma. Felizmente, hoje estou curado depois que passei pela corrente dos 71 , onde fui salvo de todo mal.